Valoriza herói, todo sangue derramado afrotupy!

sexta-feira, novembro 21, 2008

MANIFESTO DA 3ª MARCHA DA PERIFERIA - São Luís - Maranhão

No dia 13 de maio de 1988 era assinada a lei áurea que oficializava o fim da escravidão que perdurou por quase quatrocentos anos. O Brasil foi o primeiro país da América a edificar e o último a abolir a escravidão. 120 anos depois constatamos que os dados sobre as condições de vida dos afro-
brasileiros não são nada animadores. Favelinização, desemprego crônico, encarceramento e repressão policial, são alguns dos sintomas do modelo elitista e excludente de como se deu a abolição no Brasil.
O processo deu-se de forma lenta e gradual. Diversas leis foram sendo criadas desde 1850 (quando oficialmente foi proibido o tráfico negreiro), com o objetivo de deslocar a luta contra a escravidão da ação direta dos negros para a institucionalização. A lei do Ventre Livre e a Lei do sexagenário era um prenúncio das pretensões das nossas elites: garantir a transição do trabalho escravo ao trabalho livre sem modificar radicalmente a estrutura em que se assentou a formação da sociedade escravista em nosso país.
Mas, é na lei da terras de 1851 que encontramos o todo substrato político das elites brasileiras no sentido de garantir uma transição excludente, elitista e racista, para o Brasil de capitalismo dependente. Com essa lei a obtenção da terra deixa de ter como critério os serviço prestados ao Estado brasileiro (o que implicava proceder um processo de reforma agrária ) e passa a ser adquirida somente mediante a compra, que em outros termos significava consolidar e ampliar o latifúndio e distanciar o negro, ex-escravo, de qualquer posse da terra.
Num outro extremo, temos uma política racializada por parte do novo Estado republicano no sentido de incentivar a imigração branco-européia para o Brasil, sobre o pretexto de que somente estes poderiam contribuir com o processo de modernização da sociedade brasileira. Entretanto, o que se camuflava por trás deste discurso "modernizador" era a política de embranquecer o Brasil e evitar que o ingrediente de quase quatrocentos anos de conflitos raciais no Brasil se prolongasse na nascente indústria brasileira, pautada no trabalho assalariado. Como bem assinala Moura (1988) a população negra do pós abolição era vista como uma massa compacta, com uma "franja marginal" excluída não só da propriedade dos meios de produção como proletariado, mas também da possibilidade de venda da sua força de trabalho.
Um outro componente bem conhecido pela população afro-brasileira que entra em cena para garantir a manutenção da nova ordem excludente é o fortalecimento do aparato policial. Diversas revoltas e manifestações populares que a fase de transição analisada, como Canudos, Contestado, a Revolta da Chibata, a Revolta da Vacina, foram impiedosamente reprimidas pelo braço de chumbo do Estado republicano brasileiro.
Portanto, acreditamos que é no movimento da História que devemos buscar as raízes dos problemas que a população afro-brasileira enfrenta na contemporaneidade. Foram mais de três séculos de escravidão, de trabalho não remunerado, sem escolarização ou acesso aos bens culturais e materiais que eles próprios contribuiriam direta ou indiretamente para alicerçar. Pois, toda a política de marginalização, criminalização e exclusão cultural e material da população negra têm se mantido nas últimas décadas.
A política fundiária e repressiva de Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva é a prova mais cabal de que transição do Estado ditatorial para o democrático, que se deu nos últimas duas décadas, tem características similares a transição do Brasil escravocrata ao de capitalismo dependente. Modificaram os atores, mas o palco é o mesmo, se entendermos palco como estrutura social. Sem acesso a terra no campo e sem emprego nas cidades, a população negra continua sendo o alvo preferencial do seu braço armado. Segundo dados de 2004, 90% do crédito agrário no Governo Lula é direcionado ao agronegócio, enquanto os pequenos agricultores endividam-se e perdem a suas terras. A migração é quase inevitável para as cidades onde o desemprego, o crime, a repressão e as cadeias os aguardam ansiosamente. E é neste universo que a população afro-brasileira se encontra.
No Maranhão, infelizmente, a situação em que se encontra a população negra reflete esse quadro nacional, só que através de uma imagem piorada. A ausência de políticas sociais do Estado é tão notória quanto a presença do seu braço de ferro. Quem importa as políticas neoliberais impostas pelos países centrais sente-se obrigado também a importar a política de Tolerância Zero criada nos Estados Unidos para reprimir especialmente os setores menos favorecidos daquela sociedade, como negros e latinos.
A ocupação dos bairros de periferia pela força de segurança nacional é um crime muito mais grave do que aqueles que essa corporação alude combater. As periferias do estado do Maranhão não podem mais ficar a mercê desse tipo de política que trás em seu bojo a herança secular do nosso passado escravocrata. Nem neoliberalismo, nem repressão, o que desejamos de fato é fim da concentração de riquezas.
É inadmissível que em um estado marcado por profundas desigualdades sociais e raciais e suas seqüelas históricas, ainda se trate a periferia como comunidade objeto e seus problemas de ordem estrutural como caso de polícia. Definitivamente, não cremos que a polícia resolverá questões relacionadas ao déficit social e histórico que o Estado e as elites deste país e, especificamente, do Maranhão tem para com a população negra e pobre.
Em nosso entendimento o que há na verdade é uma dívida social em aberto do Estado e das elites brasileiras e maranhenses para com a população negra. Saúde, educação, habitação e geração de emprego são questões que não podem ser ofuscadas pelo discurso falacioso de combater a criminalidade. Pelo contrário, o resultado dessa política repressiva tem sido a intensificação do processo de criminalização da periferia, da pobreza, da população negra e dos movimentos organizados que combatem esse estado de coisas.
Neste sentido, nós que residimos na periferia ou que participamos de entidades que atuam nestas comunidades, exigimos que o senhor governador do Estado do Maranhão e a sua assembléia legislativa redimensione as formas de ver, pensar e interferir junto à periferia e sua população majoritariamente negra. E isso só será possível através de modificações substanciais em suas políticas estruturais e a completa inversão de suas prioridades sociais, levando em consideração as desigualdades raciais que a escravidão e o falso abolicionismo nos relegou.
Desse modo, inverter prioridades é deixar de pagar a dívida externa e interna a banqueiros e ao FMI e assumir o compromisso de reparar as populações afro-brasileiras que nunca foram indenizados pelos crimes dos quais foram vitimados por esse mesmo Estado, que hoje atende somente aos interesses do capital nacional e internacional.

Por isso, a 3ª Marcha da Periferia que trás como tema " Reparações Já: Pelo pagamento da dívida Social do Povo Negro" pauta as seguintes reivindicações:
1- Instituir o 20 de novembro com feriado, municipal e estadual do dia da consciência Negra;

2- Passe livre para desempregados e estudantes nos transportes coletivos;

3- Mais verbas para a educação pública, maior agilização na implementação da lei 10639/03 e ampliação das políticas de ações afirmativas em outras esferas públicas;

4- Construção de um busto de Negro Cosme na Praça Lagoa Amarela no bairro do Praia Grande, bem como a de outras referências negras na Praça Deodoro.

5- Pressionar o governo federal a retirar imediatamente a Força de Segurança Nacional da periferia e adotar um policiamento comunitário bem como eleições diretas para delegados distritais.

6- Construção de mais espaços de lazer e de práticas culturais nos bairros de periferia;

7- Criação de mais postos de saúde nos bairros de periferia e adoção de políticas que levem em consideração as especificidades da população negra;

8- Plano de obras públicas para geração de emprego para população negra e pobre que vise também à eliminação gradual do sistema carcerário;

9- Criação de uma lei estadual que possibilite a legalização das rádios comunitárias e estimule a criação de outras nos bairros de periferia. Pelo fim da criminalização a luta rádio-difusão comunitária, tal como dos movimentos sociais e da juventude negra;

10-Reforma urbana com construção de casas populares que vise eliminar o déficit habitacional do estado do Maranhão e da cidade de São Luís;

11-Pela imediata titulação das Terras dos Remanescentes de Quilombolas
12 Reforma agrária urgente, incentivo aos pequenos agricultores e congelamento imediato dos preços dos alimentos (A fome não pode dá lucros).

Quilombo Urbano, CONLUTE, CONLUTAS, APRUMA, SINTRAJUFE, Mov. Hip Hop da Zona Rural, Realidade do Gueto, Núcleo Preta Anastácia, Posse Liberdade Sem Fronteiras, Posse Cidade Olímpica em Legitima Defesa, Posse Comunas de Plamares, ANPUH, Artigo Negro. .

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