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terça-feira, março 30, 2010

Carta aberta do NAFROPM-BA - Reflexão sobre ações contra terreiros de candomblé em Salvador.










Até quando a comunidade negra de Salvador vai aguentar tantos equívocos





A palavra Equívoco vem do latim aequívocus, (aequus: igual + voco: chamo). O Dicionário Aurélio ensina que significa algo com duplo sentido (palavra equívoca), algo suspeito, duvidoso ou engano por má interpretação; erro.

Pode ser uma falácia, que é um argumento logicamente inconsistente, sem fundamento, inválido ou falho na capacidade de provar eficazmente o que alega. O equívoco consiste em usar uma palavra com significado diferente do que seria apropriado ao contexto. O equívoco pode ser alguma coisa com um duplo sentido, com várias interpretações, algo suspeito e duvidoso.

Quem estiver lendo estes dois parágrafos devem estar se perguntando porque tantas linhas sobre esta específica palavra. Responderei. Tomamos conhecimento, nós do Núcleo de Religiões de Matriz Africana da Polícia Militar do Estado da Bahia (NAFROPM-BA), de que um preposto da Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município de Salvador (SUCOM) esteve nas dependência de um dos mais tradicionais Terreiros da Nação Ketu desta cidade, o Ilê Axé Odô Ogê, popularmente conhecido pelo nome de Terreiro do Pilão de Prata, conduzido pelo venerável Babalorixá Ayr José Sowzer, localizado no Alto do Caxundé, Boca do Rio, há quarenta e sete anos.

Na oportunidade o citado fiscal, lá esteve para notificar aquela comunidade pelo barulho provocado pelos “instrumentos de percussão” e notificou aquela comunidade pelo fato de estar emitindo som “gerado por atividades não residenciais, que somente poderá ser efetuado após expedição pelo órgão competente da Prefeitura do Alvará de autorização para utilização sonora.”

Tal notificação foi efetuada com base no que se refere o artigo 6º da Lei do Município de Salvador, nº 5354 de 28 de janeiro de 1998, que adiante segue transcrito.

Art. 6º - A emissão sonora gerada em atividades não residenciais somente poderá ser efetuada após expedição, pelo órgão competente da Prefeitura, do Alvará de Autorização para Utilização Sonora, observado o disposto nesta Lei.
Parágrafo Único - A multa prevista para a infração do disposto no caput deste artigo será de 300 (trezentas) UFIR's.
Entretanto, o referido representante do “competente” órgão municipal esqueceu que tudo, inclusive, as leis possuem exceções e estas existem para amparar e respeitar a diversidade. Alias respeitar a diversidade é dever de todos e obrigação dos poderes constituídos. E aí está o primeiro
equívoco (grifo nosso), pois o artigo 14, no seu inciso IV faz exceção aos sinos das igrejas e templos religiosos, conforme transcrição abaixo.

Art. 14 - Não estão sujeitas às proibições referidas nesta Lei os sons produzidos pelas seguintes fontes:
I - aparelhos sonoros de qualquer natureza, fixos ou móveis, usados durante o período de propaganda eleitoral, devidamente atendida a legislação própria e os parâmetros desta Lei;
II - sirenes ou aparelhos sonoros de viaturas quando em serviço de socorro ou de policiamento;
III - detonações de explosivos empregados no arrebentamento de pedreiras ou rochas ou em demolições, desde que em horário e com carga previamente autorizadas pelo órgão competente;
IV - sinos de igrejas e de templos religiosos desde que sirvam exclusivamente para indicar as horas ou anunciar a realização de atos ou cultos religiosos;
V - bandas de música e assemelhadas, desde que em procissões, cortejos ou desfiles públicos no horário compreendido entre as 8:00h e 21:00h;

Com base na redação da própria Lei ficamos a nos perguntar, será que o fiscal que cumpriu o citado expediente na comunidade do Terreiro do Pilão de Prata não levou em consideração o citado Inciso do artigo 14 da referida Lei por entender que o Candomblé não é uma religião e, portanto, aquele Terreiro não seria um Templo Religioso?

Pois bem, após o fato ter corrido pelo boca-a-boca digital que, graças a Olorum, tem muito nos servido para combater a intolerância religiosa, o eminente Secretário Municipal da Reparação, nosso irmão Ailton Ferreira, pessoa do Candomblé, Ogan do Terreiro Ilê Axé Oxumarê, se apressou, como lhe competia o cargo e crença, imediatamente de desfazer este “lamentável
equívoco” e o fez com a competência de um homem público comprometido com a causa dos seus irmãos.

Entretanto, nós ficamos pensando: “É muito equívoco para um povo só!”. Senão vejamos.

No dia 27 de fevereiro de 2008, funcionários da mesma SUCOM demoliram parcialmente as paredes do Terreiro Oyá Onipó Neto, localizado na Av. Jorge Amado, no Imbuí, há 28 anos. Tal demolição só não se completou por que representantes de entidades que lutam contra a discriminação religiosa e pessoas que freqüentam o terreiro se mobilizaram. Entretanto, os técnicos da Sucom só se retiraram do local, após cerca de três horas, quando o então secretário de Governo, ex-titular da pasta de Reparação, Gilmar Santiago, chegou ao local com a ordem do prefeito João Henrique para suspender o ato, percebendo dessa forma que um
equívoco foi cometido.

Não obstante Ilê Axé Iyá Nassô Oká, popularmente conhecido como Terreiro da Casa Branca, o mais antigo terreiro de candomblé da nação Ketu do Brasil, que originou centenas de outros terreiros por todo o País e dele descenderem, por exemplo, os famosos templos do Ilê Iyá Omin Axé Iyá Massê (Gantois) e do Axé Opô Afonjá e cada um deles ser fonte de inúmeros outros.

Embora seja ele o primeiro templo religioso não católico a ser tombado como patrimônio histórico do Brasil, ser considerado como patrimônio cultural da Cidade do Salvador pela própria Prefeitura Municipal de Salvador, que primeiro o tombou e depois o tornou Área de Preservação Cultural e Paisagística deste município.

Ainda que no Ilê Axé Iyá Nassô Oká tanto a União, através do IPHAN e da Fundação Palmares, quanto executivo municipal de Salvador investirem na restauração dos seus monumentos e a Constituição Brasileira, no seu artigo 150, considera imunes de impostos os templos religiosos.

Em junho de 2008 uma Oficial de Justiça foi às dependência deste templo religioso afro-brasileiro com um mandado de arresto de bens, incluindo o barracão principal, a pedido da Secretaria da Fazenda do Município de Salvador, em decorrência da cobrança de uma dívida de R$ 840 mil, referentes a taxas atrasadas do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), distribuídas em quatro processos.

Após a repercussão deste fato, as autoridades do nosso município, incluindo a Secretaria Municipal da Reparação e a Secretaria da Fazenda, verificaram que ocorreu outro
equívoco.

Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, entretanto parece que os famigerados
equívocos do executivo municipal no que se refere às comunidades de terreiro de Salvador, contradizem essa máxima e têm destinatário certo.

Nós do NAFROPM-BA nos recusamos terminantemente em crer que são apenas mal entendidos. Pois, teríamos que tomar como
equívocos os mais de três séculos e meio de regime escravista no Brasil, a situação de flagrante vulnerabilidade material que a população negra foi relegada nesses mais de um século pós-abolição da escravatura, o absurdo número de homens negros jovens mortos de forma violenta nas periferias das capitais do nosso país, a forma vil com que os homens e, principalmente as mulheres negras são tratados no mercado de trabalho, a maneira como a mídia, nos seus mais diversos seguimentos reproduzem a imagem do negro brasileiro e etc.

Por que esses
equívocos não atingem as centenárias Igrejas Católicas ou aos templos, cada vez maiores e mais suntuosos, de determinadas correntes evangélicas neo-pentecostais? Acreditamos que, em certas Secretarias do executivo do nosso município, não obstante o importante trabalho desenvolvido pela SEMUR, o respeito à diversidade ainda não foi incorporado como prática, assim como o entendimento de que o Estado brasileiro é, conforme a Constituição Federal, laico.

Acreditamos que está na hora de “não comer calado”, pois não podemos esperar inertes que as trombetas nefastas desses
equívocos anunciem uma nova cruzada inquisitória contra as religiões de matriz africana e que a SUCOM seja a reedição da sinistra “Delegacia de Jogos e Costumes”, já extinta, em que, até a década de setenta do século passado, os Terreiros de Candomblé precisavam retirar alvará para funcionamento, tal qual os bares e bordéis.
Fiquemos pois atentos às palavras do poeta russo Vladimir Maiakóvski :

“Na primeira noite eles se aproximam / roubam uma flor / do nosso jardim./ E não dizemos nada./ Na segunda noite, já não se escondem : / pisam as flores, / matam nosso cão, / e não dizemos nada./ Até que um dia / o mais frágil deles / entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a luz, e, / conhecendo o nosso medo / arranca-nos a voz da garganta./ E já não dizemos nada.”

Axé

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OS MEMBROS DA COORDENAÇÃO DO NAFROPM-BA

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