Valoriza herói, todo sangue derramado afrotupy!

terça-feira, agosto 17, 2010

Fala, Bróder! Jeferson De ...



Jeferson é o cara. Jeferson Rodrigues de Rezende. Aliás, Jeferson De, diretor de cinema negro, autor de curtas premiados no Festival de Gramado, como Carolina, e agora às voltas com o seu primeiro longa, Bróder, com Caio Blat, filmado no Capão Redondo, zona sul. Leia Mais.

Jeferson De recebeu Afropress para falar do seu mais recente trabalho, que tem Caio Blat como principal protagonista, uma grande produção com orçamento de R$ 2,5 milhões, em que sua produtora, a Barraco Forte, tem a Colúmbia Pictures e a Globo Filmes como parceiros, em etapas. Na verdade, foram quase duas tardes.

Na primeira vez, no Sujinho, da Avenida Ipiranga, o que foi combinado para ser almoço acabou entrando pela tarde. Na segunda, na própria casa do diretor, na Oscar Freire, nos Jardins, bairro nobre de S. Paulo, Jeferson recebeu o editor de Afropress, para concluir a entrevista. Mesmo depois de quase quatro horas de conversas nessas duas rodadas, a entrevista seguiria porque Jeferson – a mais talentosa expressão da nova geração de diretores negros, que tem Joelzito Araújo e Zózimo Bulbul, como ícones -, tem muito a dizer.

Ele se diz, por exemplo, decepcionado com a apatia da juventude negra. “Eu acho os jovens negros uns bunda moles, e quando estou falando, eu estou falando todos, me incluo lá no meião como o bunda mole mor; acho um bando de bunda mole. Eu fico envergonhado com essa turma com terceiro grau completo de pele escura, silenciosa, que só sabe se reunir prá ir em samba e show de rap. Me envergonha”. Com a mesma coragem, afirma ser Mano Brown, o líder dos Racionais, “o maior líder negro, depois de Zumbi”.

Estreante em longa-metragem, o diretor não abandonou os curtas. Enquanto filmava Bróder, concluiu o curta “Jonas. Apenas mais um”, com depoimentos da família do ex-jornaleiro Jonas Eduardo Santos de Souza, assassinado por um segurança na porta de uma Agência do Banco Itaú, no centro do Rio. “Jonas”, concebido para uma Mostra de cinema, que terá a participação de 10 diretores, deverá ter estrear em maio.

Veja, na íntegra, a entrevista ao jornalista Dojival Vieira, que teve a participação da estudante de Jornalismo, da UniRadial, Tatiana Nascimento, e na segunda rodada, de Cristiane, mulher de Jeferson, que está escrevendo o livro "Ao lado do Bróder", com o making of das filmagens.

Afropress - Jeferson fale um pouco do seu trabalho, de você...

Jeferson De - Sou Jeferson Rodrigues de Rezende, meu pai era grelhador, uma coisa meio que parecida com torneiro mecânico, já falecido, minha mãe dona de casa, desde sempre criado em frente a televisão. A primeira imagem que eu tenho de mim era em frente a televisão... Corinthiano (risos) até aonde ele for, seja projeto Tóquio seja terceira divisão. Até sempre sou corinthiano mesmo; de ir ao estádio, de sofrer, de chorar de ficar mal e tal, e de se alegrar e chorar também por alegria.

Tenho dois defeitos, acho deveria gostar mais de poesia mais de teatro.

Adoro música. Já tive uma banda. Sou louco prá voltar a tocar prá descolar uns parceiros. É guitarra, violão. Componho uma série de canções, algumas entraram no filme. Compus duas canções agora pro Brother... É que eu não tenho coragem de cantar, mas se você olhar nos créditos finais a canção é minha.

Sou um privilegiado, por poder trabalhar com arte viver da arte cinematográfica; me acho um privilegiado. Não deveria me achar, por gostar de ler, por gostar de cultura, mas sou. Sinto que no país que a gente vive, infelizmente, eu sou visto assim, eu e tantas outras pessoas, agente é visto como tendo esse privilégio.

Afropress - Fale um pouco da sua formação como cineasta...

Jeferson De - Eu fiz a ECA, fiz curso de cinema. Na verdade, fui para USP prá fazer filosofia... Então, aí eu sempre li muito, óbviamente, é o caminho quase natural para fazer filosofia. Saí de Taubaté, no Vale do Paraíba, uma das regiões, na minha opinião, mais racistas até hoje. Poucos lugares têm um espírito repressor, racialmente repressor como o Vale do Paraíba. Não é à toa que lá, surge Monteiro Lobato, não é a toa... E aí fui fazer filosofia na USP. O curso era tão puxado, tão puxado... Todo mundo acha que filosofia.... É o contrario. É pra mim foi tão acima da minha capacidade naquele momento. Eu me lembro que quem me tirou do Curso foi Kant, A Crítica da Razão Pura, a prova maravilhosa, achei que tinha escrito tudo sobre a terceira kantiana e tirei dois (risos). Falei: não dá, não é pra mim. Eu já conhecia uns amigos ali por morar no CRUSP.

Morei muitos anos no CRUSP, base da minha formação intelectual e cultural se deu nos corredores do CRUSP, e isso foi muito interessante; e daí conheci muita gente de cinema, e aí quando comecei a desistir, né, essa coisa de Curso de Cinema, meu pai faleceu nesse mesmo período que o curso estava exigindo demais de mim, e eu resolvi mudar para o curso de cinema. Tem uma frase que eu gosto de falar: foi como voltar para o segundo grau, com todo respeito a ECA, porque daí eu me encontrei, sempre tirei notas altíssimas, fui um aluno brilhante, na minha opinião, e na de alguns professores. Tão brilhante que pedi uma bolsa pra FAPESP de iniciação cientifica que foi concedida para estudar os diretores negros brasileiros. Então entrei para um curso em que me encontrei, comecei a estudar e essa pesquisa da FAPESP acabou originando tempos depois, o Dogma Feijoada – o Manifesto.

Todo mundo acha que surgiu de uma jogada de marketing e, na verdade, surgiu de uma pesquisa seríssima financiada por uma das maiores instituições de pesquisa do país. E aí eu fui parar na ECA, essa coisa do aluno pesquisador, pensador da cultura negra e no áudio visual e também artista....

Fiz o primeiro curta metragem Gêneses 22 que, em breve, vocês vão poder assistir aqui na Afropress, e aí fui escrevendo alguns projetos e, para minha surpresa, fui ganhando prêmios, um atrás do outro mas, literalmente, um atrás do outro prá produzir novos curtas, e aí Fiz Distraído pra Morte, com Robson Nunes, Cíntia Raquel e dona Ruth de Souza; depois fiz Nascido do Rap, que é uma fábula de um garoto que é pobre e preto, o desejo dele é ser branco e rico; ele ganha uma lâmpada mágica de gênio e o gênio concede a ele esse pedido; é assim para crianças sobre a questão racial.

O Filme, inclusive, financiado pela prefeitura de SP, passou em vários lugares do mundo, ganhou alguns prêmios e aí fiz Carolina, um filme que é o meu ponto pleno assim de direção de atores, fotografia, de trilha sonora de exercício da arte cinematográfica. Todos curtas, sempre de 15 min. Exceto Gêneses, que eu fiz na escola, que tem 3 minutos. O primeiro longa é o Brother .

Afropress - Quais são os principais diretores negros brasileiros, na sua opinião? Quem você admira?

Jeferson De - O mais importante desse diretores, de longe, o principal diretor e isso é incontestável para qualquer um de nós, é o Zózimo Bulbul. Ele é o mais importante da história do Brasil. E digo mais: ele era mais importante que diretor. Conseguiu, nos anos 60, 70, fazer uma coisa que Lázaro (Ramos) tá tentando fazer, eu tô tentando fazer, Joelzito tá tentando fazer. Óbviamente, da sua área mais forte, no caso do Lázaro, ele é ator; no caso do Joelzito, ele é diretor de cinema. Mas, Zózimo conseguiu fazer uma coisa que eu acho que deveria ser um ponto de estudo mais forte. Ele era modelo, o primeiro modelo negro do Brasil, desfilou, simplesmente, pro Dener, que talvez seja o maior nome da costura brasileira nesse momento de fashion week, fashion Rio.

O Zózimo foi o primeiro modelo a pisar na passarela, foi considerado sex simbol. Foi na minha opinião, o ator do principal filme da questão racial do Brasil, filme de ficção chamado, Um passo e Espera, dirigido por Antonio filho que hoje é diretor de teatro - é o único filme de Antonio Filho. Trata dessa questão racial, é o principal filme até hoje, que consegue tocar em várias coisas. Meu sonho é poder fazer um remake desse filme. Ele faz um par romântico com Renée de Vielmond. Só fez esse filme. Acho que ficou meio chocado com esse trabalho.

Eu sei que foi um filme que demorou muito para ser lançado. Foi filmado em 69, mas só lançado em 73, em plena na ditadura, pôs o dedo na ferida e, óbvio, o filme foi proibido. Zózimo, entre outras coisas, era muito próximo de Felipe de Moraes, do maestro Moacir Santos, era próximo de toda galera, Cacá Diegues.

E aí Zózimo vai dirigir um curta chamado Alma no Olho, um curta metragem de 15 minutos, que é uma porrada até hoje, que teve que prestar contas em Brasília com a censura e aí, tempos depois, ele vai fazer uma Abolição; e aí ele, em um plano ousadíssimo, quer contar a história da cultura negra em quase três horas de filme e, muito brilhantemente, consegue fazer isso, e muito brilhantemente, consegue contar sua história. Eu acho ele incrível.

- Como está ele hoje?

Jeferson De - Ele continua produzindo, montou uma grande Mostra no Rio, um encontro de diretores negros no Rio de Rio de Janeiro, que é o Centro Afro Carioca. Ele tem um Centro de Cinema, que é uma referência no RJ. Agente se encontra sempre pra falar da vida falar de cinema

Afropress - Além de Zózimo que outros diretores negros fizeram a tua cabeça, quem você destacaria?

Jeferson Agora você me pegou. Zózimo é o principal. Ele fez a minha cabeça; minha e acho que de muita gente, e acho que todo negro ou não negro que queira se relacionar com a cultura áudio visual, quando eu falo de cultura áudio visual não estou falando só de cinema, internet, tv, tem que saber quem é o Zózimo, tem que entender quem foi esse cara. Fez filmes, vários; tratou da questão racial e, óbviamente, por ser extremamente contestador pagou um preço alto, altíssimo, e acho que cabe a mim e todos nós que trabalhamos com cinema, cabe a nós resgatar a história de Zózimo Bulbul mesmo.

Afropress Fale sobre Bróder...

Jeferson - Segundo Noel Carvalho, que escreveu no doutorado dele sobre cinema negro brasileiro e sobre o Zózimo, doutorado na USP, é o maior empreendimento cinematográfico feito por um negro no Brasil. E acho que ele tem razão.

É um filme que reuniu, talvez, o que há de mais importante no mercado cinematográfico, que é a Globo Filmes e a Columbia Pictures. São dois parceiros mais valiosos, importantes. Só que a historia não começa com essa parceria não, ela é anterior. Foi meu primeiro roteiro de longa-metragem, nunca tinha escrito um roteiro de longa, foi o meu primeiro esboço. O roteiro é meu com Milton Canito e Felipe Veniz, jovens brilhantes roteiristas.

Eu passei uma semana com dez consultores do mundo inteiro que leram meu roteiro, detonaram meu roteiro, elogiaram o meu roteiro, questionaram várias coisas que estavam no roteiro, e aí esse grupo de dez consultores, dentre eles, o Bráulio Montovani, que escreveu Cidade de Deus. E aí quando eu sai de lá, sempre fui muito próximo do Cacá (Diegues) ele falou. “Jéferson, o roteiro esta muito bom, você poderia apresentar uma dessas frases, que é assim que se chama, à Columbia, à Paramount. Eu acho que está na hora de você apresentar, pois o seu roteiro está muito bom”.

Ele me indicou à Columbia, achou que o roteiro tinha a cara da Columbia. E foi quando começou essa parceria com a Columbia e depois entrou a Globo Filmes, cujo principal diretor o artístico é o Daniel Filho. E aí Daniel leu o roteiro, aprovou o roteiro e depois entrou no filme e aí a minha produtora que é a Barraco Forte, e ela está associada a outra chamada Class... Então é um boom de empresas, de produtoras. E outras apoiadoras como a Morena Rosa. As Filmagens começaram em janeiro.

Afropress - Como foram as filmagens?

Jeferson - Uma preparação enorme. Escolha do elenco, aí muda elenco teve gente que precisou sair por que entrou na novela. A Taís Araújo estava no filme, saiu. Roteiro é uma coisa que você vai escrevendo e reescrevendo até o momento final.

Até o momento que você vai gritar “ ação”. É adrenalina o tempo todo.

Até chegar o momento da filmagem ou, eu diria, até chegar o momento que eu estou vivendo agora montando o filme, editando o filme.

Afropress - Em quanto tempo o filme foi rodado?

Jeferson - Em cinco semanas agente filmou. Tem mais essa uma semana que a gente vai filmar depois da primeira versão do filme montada, depois do rascunho. Final de abril, começo de maio a gente filma esse restinho que tem que filmar. E esse período todo foi um período fundamental para eu ir afinando o filme. E acertando uma coisa que eu acho fundamental: o elenco do filme, que foi uma coisa muito delicada. E para mim tinha uma importância fundamental. Vou falar uma frase que não é minha: “O longa-metragem separa os meninos de homens”.

Eu acho que o longa-metragem coloca em outra posição, em um estado de grandeza, porque uma coisa é falar em 15 minutos. Agora vou falar em 90 minutos.

Eu faço filmes. Eu, negro, faço filmes com atores negros, faço histórias negras só que os negros não vêem meus filmes. Nunca viram meus filmes. Essa é a grande contradição. E o cara que faz curta metragem sofre o dobro.

Agora, que tenho Globo Filmes, tenho Columbia eu vou poder chegar nas casas das pessoas. Eles vão poder saber que eu fiz o filme.

Afropress - Como foi a sua experiência com Carolina, que empolgou a platéia em Gramado e ganhou quatro Kiquitos?

Jeferson De - Você sabe o que é fazer um filme chamado Carolina, acabar o filme, se inscrever no festival de Gramado, no Estado mais branco do Brasil, como o Rio Grande do Sul, Gramado, Canelas, São Leopoldo ... Um filme que termina com Zezé Mota contando a história de Carolina de Jesus, que termina com a música Negro Drama dos Racionais Mc’s e, ao final da sessão, as pessoas levantarem para bater palmas?

E, ao final do festival, você ser o filme mais premiado numa platéia, resumindo, loira de olho azul, num dos principais festivais do Brasil? Eu não entendi nada. Até por que quando eu subi ao palco, eu tenho na TV cultura umas imagens gravadas meses antes, eu tinha mandado o filme para um Festival na Bahia e o filme tinha sido recusado por falta de qualidade técnica.

Eu tinha vivido isso, e aí meses depois, receber 4 Kiquitos, melhor filme, melhor fotografia, prêmio de crítica e o prêmio especial do júri e o premio Sena Brasil. Então foi um filme premiadíssimo.

E tem uma coisa que eu não abro mão. Eu não abro mão de chegar em cima de um palco e dizer o que eu falava lá em Taubaté ou lá no CRUSP com charme, com sedução, mas é a mesma coisa. Quando eu vou à praia eu ponho shorts ou uma sunga, quando eu vou a um casamento, ponho um terno. Mas, a essência é a mesma. E aí com isso comecei a me ligar em algumas coisas. Que eu estava fazendo cinema para uma platéia não negra, que a platéia negra, talvez queira gastar, gasta muito com entretenimento, gasta com cd, aluga filmes em locadora, compra revista, gasta e fuça na internet bastante. O pessoal negro se engana quem acha que negro tá tocando pandeiro só.

Mas ela não ainda não tem esse hábito de ver filme a não ser quando, óbviamente, é Tropa de Elite, quando é a Cidade de Deus, quando é aqueles filmes grandiosos.

Mas ela conhece muito pouco do Spike Lee. Muito pouco do Almodóvar.

Ela conhece muito pouco de Negação do Brasil, Filhas do Vento, ela não viu. Nossa grande preocupação, minha, do Zózimo, do Rogério Mauro é: como chegaremos ao Publico? Ao grande publico? Por isso essa grande parceria com a Globo Filmes e a Columbia.

Afropress - Como você define o cinema que você faz?

Jeferson De - Eu acho que o cinema que eu faço é para todo mundo, não só um cinema de negros para negros. Não é e nunca foi. Eu não abro mão de ser o pensador da obra. A mesma coisa que falar que a Afropress é um site só para negros, não é. Isso é uma grande bobagem. É para o Brasil. O cinema que eu faço é um cinema para o mudo. Carolina passou em Moscou, passou no Irã. O diretor do festival de Cinema do Irã viu esse filme, não sei onde, e disse: “Quero que esse seu filme passe”. Essa história, que começou em Gramado, vai desembocar do outro lado do mundo.

Afropress - Como é o seu processo de criação?

Jeferson De - Esse negocio de dizer: aí tô inspirado! Inspirado, o caramba! Não tem negócio de inspirado não. Cara que entra no estúdio para fazer um filme é suor. A inspiração para mim é dois por cento, o resto é escrever e reescrever, seja com ações seja roteiros, seja no caso de jornalistas. Em vários momentos, eu leio textos maravilhosos na parte dos Colunistas da Afropress. Leio textos maravilhosos, sei que aquilo é suor. Não é só sentar na frente do word. Então, tem essa coisa do suor.

Afropress - Como você vê essa discussão sobre literatura negra, poesia negra, cinema negro...

Jeferson De - Eu acho o seguinte: se é bom, é bom. Amor, não existe amor negro, não existe ódio branco, não existe inveja japonesa, são esses temas todos, eu diria, que permeiam. Como eu estou fazendo filme, eu olho de uma maneira muito comum.

Eu aprendi a olhar para o público, eu sei com quem estou conversando e essa ficha caiu muito pra mim em Gramado. Quando acabo de fazer um filme, meu grande teste é uma senhora que estudou até a 7ª série. Chama Dona Sonia, que mora em Taubaté, e é minha mãe. E eu pego o filme e mostro para ela. “Ó mãe, acabei um filme novo”. Aí ela sempre acha um saco, né?

E aí ela vai lá, tem que assistir. Eu ponho ela pra assistir e fico olhando. Por que eu já sei exatamente o que tá passando e fico olhando. E quando ela bate o martelo, ok, vamos finalizar. O filme Gênesis 22, que é o filme que vai passar na Afropress, é um filme preto e branco, com João Acaiabe, é um filme quase mudo, meu primeiro filminho. E eu mostrei para ela e ela odiou (risos).

Ela é muito sincera. A única coisa que ela falava era o tiozinho que soltava balão e tal e ela lembrava do João. Mas ela odiou. Um filme preto e branco, desculpa, nenhuma criança, nenhum jovem, nenhuma mulher qualquer ser humano gosta. Quem gosta de filme preto e branco, enfim, é uma elite negra, branca, que adora Bergman, adora Godard, adora filmes sofisticados. Primeiro, que as pessoas associam filme preto e branco à falta de qualidade.

Mas, aí eu aprendi em Gramado essa coisa de que a gente estava conversando.Então tudo é muito preciso é muito suor. Tudo que aparece como arte é a arte.Mas eu diria que eu nunca consigo fazer um filme nessa intenção. Eu faço na intenção de emocionar, claro. Por exemplo: Zezé mota interpretando Carolina de Jesus ultrapassou a minha expectativa. A única coisa que eu sei, quando eu li Quarto do Despejo, eu fiquei emocionado com aquilo. Juntei Carolina com Zezé Mota. É juntar Jorge Ben com Mano Brown, não tem erro.

Afropress - Qual o tema central de Bróder?

Jeferson De - O tema central é a amizade, é o amor, é a amizade três amigos, o Macu, interpretado pelo Caio Blat (que é um capítulo à parte), Jaiminho, que conta com Jonathan Haagensen, e Silvio Guindane, o vendedor de seguros. O filme tem ainda Cássia Kiss, Ailton Graça, Zezé Motta, a Cíntia Rosa, que é uma menina lá do Vidigal, que fez Tropa de Elite, fez o filme do Cacá Diegues, o Maior Amor do Mundo. Du Bronks, um rapper do Capão, que tenho a honra de apresentar ao cinema, tem um menino que é Ed Acaiabe, sobrinho do João Acaiabe, que dá um show no filme; assustador , vocês vão odiar ele no filme; tem uma participação especial do Daniel filho. Tem muito mais gente, mas esse é o elenco central.

Afropress - Qual o roteiro?

Jeferson De - O filme se passa em 24 horas. Começa no sábado de manhã, termina domingo de manhã, básicamente. Prá qualquer jovem da periferia, preto, branco e, talvez, quem nem seja da periferia, para qualquer jovem tem três caminhos pra seguir.

O primeiro, o milagre. O milagre foi o que aconteceu com o Robinho, com Romário, o que aconteceu, de certa forma, com o Alexandre Pires. No caso do Robinho, que vai treinar no Santos e aí, cinco anos depois, como se houvesse uma Deusa, ela tirou uma bolinha “ é você Robinho”, e aí ele vai para o Real Madri. Sempre, quando conversei com jogador, conversei um pouquinho de nada como Cafu, ele que é uma fonte de inspiração, aquela coisa de 100% Jardim Irene, em geral, eles sempre comentam uma coisa: “olha eu jogava muito bola” (eles são sempre humildes em dizer que jogavam). Mas, que na Rua deles tinha alguém que jogava muito mais que eles. “Ah, eu sou o Ronaldinho Gaúcho, mas tinha um cara na minha rua que jogava, esse sim, era bom”, costumam dizer. Então, eu tenho uma coisa comigo - essa Deusa aponta: é você. É o caso do Alexandre Pires. As vezes tem caras que cantam bem melhor que ele. Mas ele é o cara.

Eu acho lindo essa coisa. Não é prá qualquer um. Tem caras que jogam muita bola mas às vezes não tem um empresário legal. O cara canta, quantos meninos e meninas que cantam pra caramba, atores, às vezes, o cara é ator, ator bom e nada acontece pra ele.

Eu mesmo como diretor, né? muita gente mais talentosa que eu, mas aí tem essa Deusa que tira a bolinha, aí tudo acontece. Esse é um dos caminhos e esse caminho Jonathan Haagensen, um jogador de futebol que vai pra Espanha.

O segundo caminho, eu diria que é o caminho que está mais próximo da gente, do diretor da Afropress, que é aquele cara que trabalha, dá um ralo. Vai prá faculdade, nada acontece, é demitido, corre atrás... É um vendedor de seguro, feito pelo Silvio Guindane. Me desculpe os vendedores de seguros, mas não há nada mais chato que vender seguro; vender seguro de vida, vender seguro de saúde é muito chato, é uma profissão chata, mas também é batalhador o cara tem que está ali. Vou te vender um seguro de vida. Não, cara, não estou pensando em morrer tão cedo. Vou te vender um seguro do carro. Não, cara, eu nem pagar a prestação do carro posso, vou comprar um seguro?

E o terceiro caminho, que eu acho que é o mais atrativo de todos, mas é o mais perigoso, que é meter os canos, que é aprontar, que é roubar. No caso das meninas, trabalhar com prostituição; é um caminho muito desgastante mentalmente. Meninos, trabalhar no tráfico, não têm uma vida longa, em geral, 23, 24 anos, já morreu; é uma via muito perigosa, embora ela traga poder, traga sexo fácil, pô dá prá você trepar a hora que você quer; pô, você tem de certa forma tem uma camisa legal, tem um relógio legal, de uma certa forma, você é respeitado.

Não que os outros casos não sejam. Esse é o caminho que eu escolhi pro Macu, que não é necessariamente um menino do crime, mas que está recebendo umas propostas prá participar de uma determinada ação de seqüestro, participar de um crime; esse dia ele é encarregado de cuidar do cativeiro tal ele deve um dinheirinho pro cara do crime. Ele é um menino feliz, um menino que não é do bairro. Um cara que vem de fora que é o Edu Acaiabe, faz uma grande proposta pro Macu, o cara vem de fora chega no Capão, e ele abraça a idéia vamos aprontar uma contra um menino lá de Campinas e ele abraçou, com um cara que ele mal conhecia aí ele limpa o cativeiro e vai pra casa da mãe dele que é Cássia Kiss que é casada com o Ailton Graça, dona Sonia .. E aí, quando ele chega lá ele vê que esta rolando uma puta preparação de feijoada ... puta feijoada maravilhosa e a mãe dele fica decepcionada com a chegada dele.

Pô, ia rolar uma feijoada e ninguém me convida? A mãe dele fala “feliz aniversario”, né? Todo ano se faz uma feijoada prá ele no dia do aniversario dele, ele não mora na casa mora em outro barraco, por que ele tem conflitos com o Ailton Graça que é o padrasto dele. Aí tem esse detalhe e pra piorar a situação dona Sonia, que é a Cássia Kiss, convidou o amigo da Espanha e o amigo vendedor de seguros, então os dois melhores amigos que ela criou, todo mundo morava no Capão, um jogador de futebol o outro casou e aí ele tá voltando, e eles se encontram e aí num determinado momento do filme a criança que eles vão catar no filme dá errado, dá prá trás, não vai rolar mais só que todo o esquema já esta armado e esse cara que é de fora faz uma proposta super, hiper indecorosa: ao invés de seqüestrar o menino lá que não vai dar mais certo, vamo catar o seu amigo que é jogador de futebol que vale uma nota e o resto é janeiro no cinema, mas é toda uma história pra falar da ausência do Estado, pra falar da diferença de ser branco e ser preto.

Faz diferença? Por que o Macu não é negro, tem motivo pra isso. Pra conviver ali na galera do rapper, o menino se acha negro. Eu conheci vários meninos com camiseta do Malcom X. Mas, pô, eu acho que essa é um das grandes questões do filme. É um filme que o Estado não aparece e só aparece em um momento. Só o Estado brasileiro não aparece. O Estado só aparece uma vez no filme na presença da Policia Militar. E a Polícia avisa o Macu. A Policia faz a diferença entre quem é negro e quem é branco. Enquanto todo tempo Macu ta lá “não, por que mano, sou mano, mano”.”Você, branquinho fica lá por que eu quero falar só com os dois negões aqui”.

Afropress - Como foi o desempenho do Caio Blat em Bróder?

Jeferson De - O Caio tem uma intensidade. Não sou eu que estou dizendo não. Todos os diretores que trabalharam com ele, entre eles, Hector Babenco, falaram isso. Com uma intensidade que, como estreante, como marinheiro de primeira viagem de longa, me surpreendeu. Esses diretores já viveram isso, mas pra mim, me surpreendeu. Aí, tem um historinha do Caio que eu acho interessante contar. Estava em dúvida entre o Caio e um outro ator, e aí me decidi pelo Caio, vi alguns filmes dele e tal, e aí o Caio estava indo pra Paris, e eu falei. “Pô, como eu vou falar com o cara, né?” E ele foi pra Paris. Aí o empresário dele, alguém falou assim. “Meu, manda o roteiro”.Aí eu mandei o roteiro pela Internet, coisa que raramente faço. E aí eu recebo o seguinte e-mail:“Adorei o roteiro.....” Eu não lembro as palavras exatas. “Quero muito fazer esse filme”. E ele falou uma frase que eu acho que isso é literal. “Eu sempre quis ser negão. Esse filme é meu e lá, no Brasil, quero te encontrar no aeroporto.”

Fiquei tomado. E eu sempre falo: o Caio é, pra mim, foi um dilema muito grande, por que ele é quase protagonista do filme, né? E eu sempre trabalhei com atores negros e pela primeira vez, ele falou exatamente o que eu gostaria de ouvir. Exatamente as palavras, porque a coisa que eu queria ouvir do cara que eu escolhesse era: “Eu sempre quis ser negão”. E aí começou a rolar umas coisas assim. Eu entro no site da Afropress e aí vejo uma matéria que ele estava, ele teria escrito um negócio (Caio escreveu para o Jornal Folha de S. Paulo protestando Justiça no caso Jonas). Aí eu comecei a pesquisar e descobri que esse menino é um menino extremamente antenado.

Aí eu comecei a fuçar na vida dele. Eu sabia da história do Jonas, eu não sabia que o Caio tinha se mobilizado. Aí começou a rolar uma coisa. Esse menino é a minha turma cara, esse é dos meus. É um macho, adulto, branco bonitão e bem sucedido, antenado. Muito mais do que muito macho negro bem sucedido. Eu falei opa! Esse cara é dos meus, esse cara merece esse papel, esse cara merece estar em companhia de Zezé Mota, esse cara merece estar em companhia é do Du Bronks, que é um menino do Capão, esse cara merece conhecer as pessoas que eu conheço, merece ser apresentado ao Capão Redondo, esse cara é da turma.

Então é uma mobilização que eu acho que é meio de Orixá .... ai tem um monte de gente, que eu falo não é só eu, não é possível que seja só eu. O meu rostinho bonito, o meu roteiro bem escrito, eu acho que isso é uma mobilização, um desejo; tem um outro lado. Tem o desejo de muita gente que esse filme acontecesse que ele vire desejo espiritual e os desejos comerciais (risos).

Afropress - E como foi o primeiro contato de vocês?

Jeferson De - Nunca tinha visto na minha vida. Tinha visto na novela como todo mundo. Aí, depois que eu conheci ele, conheci a mãe dele, conheci a tia dele conheci todo mundo. E aí fui criando esse elo, levei ele a um show no Capão Redondo e tal, aí conheceu o Mano Brown, conheceu todo mundo. Foi ganhando o respeito de todo mundo, ganhando respeito de cada pessoa, impondo também o respeito.

E a gente passou boa parte do ano passado juntos se preparando até que chegou Novembro do ano passado e não é a toa a gente filmou em Janeiro e fevereiro. Mas, em novembro, não conseguia mais se falar com Caio Blatt , toda vez que me encontrava com ele tava possuído pelo Macu, ele trocou o carro dele comprou um fusca, raspou a cabeça, começou a se comportar como mano. Tenho algumas coisas gravadas .... ele se comportando como mano.

Até o dia da discriminação no restaurante, na Paulista (Caio, na pele de Macu foi discriminado num restaurante da Avenida Paulista, episódio denunciado na coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha). E aí tem uma coisa... essa é a grande pegadinha do filme. Que é um branco que se acha negro, essa é a grande provocação que todo mundo. Essa é a grande deixa do filme e isso que as pessoas vão literalmente se surpreender com o filme.

Afropress - Qual o orçamento de Bróder?

Jeferson De - Talvez pra mim, o que me chama mais a atenção de como esse filme é especial e vai ser especial é que custou mais ou menos R$ 2,5 milhões. Andei de helicóptero pelo Capão Redondo prá filmar, cenas lindíssimas, mas um das coisas que mais me chama a atenção, eu não gosto de ficar pensando em cifra, pensando em comparação. Tropa de Elite custou R$ 10 milhões e o meu R$ 2,5 milhões, e veja que é o maior empreendimento negro. Só pra você ver como a gente é pobrinho, completa desproporção ..... Como é que uma história dessas agrada Daniel Filho e agrada a Mano Brown?

Afropress - À propósito, como foi a participação do Mano Brown, ele participa do filme?

Jeferson De - O Mano Brown me falou “Jeferson, se você precisar, no que eu possa ajudar, pode contar comigo. Não ponha meu nome, lá. Se você precisar de mim, eu tô aí”. Foi lá visitou o set e eu tenho a honra de, no meu blog, não vou prometer nada, vou pedir primeiro autorização, eu tenho uma foto histórica de Élio de La Pena (do Casseta e Planeta) e Mano Brown, os dois foram me visitar no mesmo dia. No mesmo dia eles foram me visitar e eu dei um abraço nos dois ainda ali no meu espacinho, lá no meu cafofo e eu tirei uma foto com os dois e tal e deitei lá e chorava, chorava.

Eu adoro o Élio, ele é de uma ironia absurda, e brinca com muito com personagens negros. Negro Pita, Chicória Maria, acho maravilhoso, eu acho que ele tem uma coisa muito saudável quando ele trata as pessoas, por exemplo, ele chama de meu irmão afro-negão e eu acho que é humorístico. Mas, ele brinca sobre a cultura negra, negro de olho negro e eu me sinto privilegiado pelo Mano Brown, o maior líder negro, eu sou contemporâneo do cara, e é um privilegio. O maior líder negro depois de Zumbi dos Palmares. É um privilegio, ele um grande líder como ele, mesmo que ele não concorde comigo, mas ele é. Eu acho um privilégio, repito isso várias vezes.

Mano Brown é o maior líder negro desde o Zumbi dos Palmares, queiram ou não queiram. E eu me sinto um privilegiado que ficar ali fazendo um filme com o cara do lado dando opiniões, participando ativamente.

Afropress - Quando o filme entra em cartaz?

Jeferson De - Eu gostaria muito de fazer uma primeira sessão do filme pra minha comunidade no dia 20 de novembro. Queria muito fazer uma sessão, não sei aonde ainda, no cinema mais luxuoso que a gente puder fazer, talvez no Iguatemi, ou no Shopping Morumbi.

Afropress - Como você está vendo a situação da juventude negra no Brasil hoje?

Jeferson De - Eu ando muito decepcionado com a juventude negra. mas muito decepcionado. Eu acho os jovens negros uns bunda moles, e quando eu estou falando eu estou falando todos, todos, me incluo lá no meião como o bunda mole mor. Eu fico envergonhado com essa turma com terceiro grau completo de pele escura, sabe, silenciosa. Que só sabe se reunir prá ir em samba e show de rap, me envergonha, me envergonha.

Eu me envergonho por essa juventude negra que está fazendo o terceiro grau que já terminou e acha que só por que ela tá fazendo, ela está excluída de tomar um tiro na cara. Eu tenho meu Gol, que comprei em 40, 60 prestações, vou no pagode com minha preta e não vou tomar um tiro na cara e aí? E aí, o Jonas toma tiro na cara, o dentista (Flávio Santana, morto pela Polícia) toma tiro na cara e o silencio impera.

Aí faz uma passeata e eu acho, pô, poderia ter um milhão e meio aqui e a negrada tá num show, no jogo do Corinthians, no jogo do Santos. É, um bando de, vou nem falar uma palavra mais contundente, bunda mole.

Às vezes a minha decepção, óbvio, que ela é com os advogados, com os políticos, eu acho que alguém que se revolta fácil é a molecada, e quando ela não está se revoltando, ôpa: tem algo errado. Eu espero que as pessoas saiam em passeata, mas eu espero que o moleque de 24 anos ou 23 que esta cursando uma faculdade de história, de jornalismo, cara, comece...

Que os artistas, quem tem grana, tem poder... Quando eu estou falando, eu não estou falando da Ophra brasileira que não existe, eu estou falando das pessoas que detêm um poder, não é poder necessáriamente dentro de uma instituição. Esse silêncio me incomoda. E eu falo: “aguardem que vem porrada. O Bróder trás algumas reflexões de uma maneira emocional, mas ela esta lá. Eu acho que isso não pode se reduzir em coisas, simplesmente, com coisas do acaso; a gente tem que olhar para o mundo.

Afropress - Que tipo de reflexão o filme trás sobre esses temas?

Jeferson - Nesse momento da montagem muitas coisas pra entender o que eu estou querendo dizer. Eu estou muito feliz por que a situação está posta de uma maneira, que é aí que eu vou te falar. Só quem esteve num palco lá em Gramado recebendo um troféu filme com uma platéia branca, sabe o que tem que dizer pra ela. Sem abrir mão. Sem abrir mão.

Eu me lembro no ano passado, ou retrasado teve uma reunião com vários artistas e a ministra, a então ministra da Igualdade Racial (Matilde Ribeiro) que tipo de apoio se poderia fazer, uma discussão um bate papo e tal... Não foi em restaurante nenhum, não foi com cartão nenhum (risos). Graças a Deus (risos). Mas aí rolou essa discussão, estavam presentes vários artistas. Aí eu pensei na seguinte mobilização. Talvez no meu filme eu queria deixar isso de uma forma mais clara.

Como mobilizar toda sociedade para essa questão das cotas, uma serie de questões, principalmente negras, e aí todo mundo falando, a gente quer fazer uma propaganda, poderia fazer folhetos, aquela coisa óbvia que todo mundo sabe que tem que fazer, o óbvio.

E eu falei uma seguinte besteira, que veio na minha cabeça, que realmente ninguém aprende, ai falei o seguinte. Eu faria toda uma campanha pro Estatuto, para as cotas, pra reflexão, reflexões afirmativas, só com atores brancos. Eu falei isso todo mundo riu, achou engraçado. Eu me senti meio ridicularizado na minha opinião.

E é muito bom poder lançar um filme falando: gente é mais importante, nesse momento (estou falando 2008), nesse momento é mais importante o Caio Blat num comercial de 5 segundos falar sobre Zumbi dos Palmares do que o Lázaro Ramos. É mais importante a Marília Gabriela defender o Estatuto da Igualdade Racial do que a Zezé Mota. A gente sabe onde a gente tem que chegar. Então eu acho que tem que começar agora a embaralhar as cartas vamos confundir. Vamos começar a confundir a cabeça. É muito mais importante pra mim ver o Caio defendendo o Jonas. Infelizmente eu não vi nenhum, nenhum ator, atriz negros abrindo a boca sobre ... uma carta. Eu gosto de ser artista porque artista pode ser contraditório, né?.

Afropress - Como você está vendo a situação do Movimento Negro hoje?

Jeferson De - Estou passando por um momento de muita decepção que teve nos anos 60, 80, enfim, com o movimento negro que é, basicamente, construído por juventude, jovens inconformados negros e eu vejo hoje uma completa tranqüilidade num momento que estão assassinando jovens negros num momento que a gente está nas piores escolas.

Até parece que a gente tá pedindo esmola e a juventude negra parece que está gostando de ser incluída dessa maneira, enfim, de estar gostando desse formato da inclusão. Então eu acho que a gente tem que querer não só estudar, mas estudar na boa escola, eu acho que você tem que querer cultura mas cultura de alta, de boa qualidade. Não estou contrapondo música erudita, nem funk carioca, não; adoro funk carioca, mas também adoro Bach, ouvi Bach e tudo isso foi um processo de um senso critico muito alto. Existe funk carioca ruim e existe funk carioca bom, existe música clássica ruim e existe música clássica boa, e eu vejo uma juventude negra muito estacionada nesse momento estacionada, não reclama de nada, tá tudo bem, tá tudo legal e não reage.

E tem uma parcela que eu me decepciono mais ainda que são os jovens negros garotos e garotas que estão chegando a uma universidade, estão na universidade já, seja universidade publica, seja privada, que acham que se ganharem o diploma de advogado, de Direito, de Arquitetura, de Administração, eles estarão isentos da violência policial; eles estão isentos da discriminação racial.

Eles acham que vão conseguir algum tipo de emprego, acham que, conseguindo algum emprego, vão ter algum tipo de respeito; eles acham que com um diploma, simplesmente, um diploma tudo está resolvido e é um engano.

O que aconteceu com o Jonas, o que aconteceu com o nosso querido dentista no dia 3 de fevereiro, é fato; o que aconteceu com o menino e Bauru (assassinado por policiais dentro de casa, sob tortura na presença da mãe) são atos que ocorrem, e que não é pelo fato de você ter um diploma de uma universidade privada que você tá isento disso. A tua cabeça pode estar mudando, mas a cabeça dos policiais ainda caminha a passos muito lentos e, em geral, essa violência contra a juventude negra lá vem de um não negro e, em grande parte, ela vem de um outro negro; então a gente ainda está nesse comodismo todo. Isso me incomoda. Acho até que existe uma elite intelectual jovem negra, essa sim, é a grande decepção mesmo.

Afropress - Você não acha que o Movimento Negro está excessivamente partidarizado?

Jeferson De -Eu posso estar muito enganado por estar muito tempo, sei lá, nos últimos dois, três anos, muito empenhado nesse projeto do longa metragem, mas tenho ido, às vezes até de maneira escondida. Fui no Brasil afirmativo, quando foi lançada essa questão de colher assinatura eu tava lá quietinho, lá no fundo, observando tudo isso (ato na Educafro, no dia 29 de junho do ano passado).

Mas, o que eu sinto é um movimento muito partidarizado. Na verdade, eu sinto que não existe movimento negro, existe Movimento Negro do PT, do PC do B, dos partidos, né? Sinto que essa falta de isenção, às vezes, nos faz muito mal

FONTE:

diretor de Bróder, na entrevista ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira. - 19/4/2008



Gramado é de Bróder


O jovem Jeferson De, com tema ambientado no Capão Redondo, de onde ele veio, leva os principais prêmios, de melhor diretor, ator (Caio Blat) e filme, mesmo entrando em competição em cima da hora



Convidado para abrir, fora de concurso, o Festival de Gramado, Bróder, de Jeferson De, só foi oficializado como concorrente depois de perder em Paulínia, há menos de um mês. Em cima da hora, a imprensa e o público foram informados de que havia mais um filme na disputa pelos Kikitos. Na coletiva, após a exibição de Bróder, a produtora Renata Moura confessou que Jeferson estava muito feliz porque Gramado tinha um significado especial para ele. Foi na serra gaúcha que o jovem cineasta obteve sua primeira consagração como diretor, ao vencer o prêmio de curta com Carolina, sobre a escritora Carolina Maria de Jesus. A alegria de Jeferson chegou ao paroxismo quando ele, vestido com a camiseta vermelha do Inter - colorado com orgulho -, recebeu os Kikitos de melhor filme e diretor da competição brasileira no 38º festival, sábado à noite.

A esses prêmios, Bróder somou o de melhor ator para Caio Blat e ele também explodiu de alegria no palco do Palácio dos Festivais, dizendo que Macu, o personagem, foi um grande presente e que se sentia tão "negrão" quanto o diretor. Jeferson, na sequência, dedicou a vitória a Mano Brown e a Daniel Filho, que lhe disse "vai lá, guri, e ganha". Daniel Filho é produtor associado de Bróder com a Sony e a Globo, por meio de sua empresa Lereby. O filme deve estrear em novembro, no mês da consciência negra. Tem tudo a ver - como 5 Vezes Favela, Agora por Nós Mesmos, um projeto idealizado por Cacá Diegues, que também apoiou Bróder, o vencedor de Gramado oferece, a par de suas qualidades, a contrapartida social de ser um filme sobre a periferia feito por um autor que veio dela. Jeferson De disse que a tríplice vitória era a prova de que o Brasil mudou.

O júri da competição brasileira dividiu os prêmios entre Bróder e Não se Pode Viver sem Amor, de Jorge Durán, que ganhou em categorias importantes como fotografia, roteiro e atriz (Simone Spoladore). O prêmio de melhor curta, segundo o júri oficial, foi dividido entre Haruo Ohara, fecho da admirável trilogia sobre Londrina do diretor do Paraná, Rodrigo Grota, e Carreto, de Claudio Marques e Marilia Hughes. Outro júri oficial atribuiu ao chileno Mi Vida con Carlos, de Germán Berger-Hertz, o Kikito de melhor filme da competição latina. E o júri popular, integrado por leitores de 11 grandes jornais brasileiros, incluindo Maria Alzira Marinho Garcia, do Estado, premiou 180 Graus, de Eduardo Vaisman, como melhor filme brasileiro e Mi Vida con Carlos como melhor latino.

FONTE: ESTADÃO

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