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quinta-feira, setembro 30, 2010

“Dilma dará continuidade à alta lucratividade do grande capital”












Nos dois mandatos de FHC, os bancos lucraram R$ 34,3 bilhões. Já nos dois mandatos de Lula, a previsão é de algo em torno de R$ 170 bilhões, diz Zé Maria


“O governo do Partido dos Trabalhadores (PT) manteve os pilares fundamentais do modelo econômico do governo FHC que beneficiou a alta burguesia do país”. Essa é a avaliação de Zé Maria, candidato à Presidência da República pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Para ele, a alta popularidade de Lula se apoia na estabilidade da economia internacional e na criação de políticas sociais compensatórias, como o Bolsa Família, além de pequenos reajustes no salário mínimo.


Nesta entrevista ao
Brasil de Fato, Zé Maria prevê que um possível governo de Dilma Rousseff estaria voltado a dar continuidade à alta lucratividade do grande capital. Mas pondera: “Evidentemente, não queremos que a direita tradicional volte a governar o país. O governo tucano praticamente arrasou o Brasil. Mas tampouco podemos concordar com a mera continuidade do que aí está.” Para o candidato, não há como realizar as mudanças necessárias para assegurar vida digna aos trabalhadores fora de uma estratégia socialista, de ruptura com a burguesia.


Brasil de Fato – Em 2008, uma grave crise atingiu o coração do imperialismo estadunidense. No entanto, aqui no Brasil os efeitos foram, de certa forma, controlados pelo governo Lula, que a classificou dizendo que “lá [nos EUA], ela é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que não dá nem para esquiar”. E hoje há na sociedade brasileira uma relativa sensação de que a economia brasileira está bem estabilizada. Você concorda com esse sentimento?


Zé Maria – Não concordo. Na verdade, o Brasil viveu sim turbulências sérias devido à crise internacional da economia. O problema é que estas consequências estiveram concentradas nas costas dos trabalhadores. Foram quase 2,5 milhões de demissões nos meses de auge da crise. Os trabalhadores que foram demitidos, quando conseguiram emprego com a retomada da economia, conseguiram numa posição mais precária, ganhando menos do que ganhavam antes. Isso é a característica dos empregos gerados pela política econômica atual. Marolinha, sim, foi para os bancos e grandes empresas instaladas no Brasil. O governo Lula injetou mais de R$ 330 bilhões em recursos públicos para salvar os lucros e as fortunas destes grandes empresários. Foi uma ajuda decisiva para que grandes empresas e bancos do país não quebrassem naquele momento. O governo dizia que ajudar as empresas era fundamental para preservar os empregos, mas os trabalhadores eram demitidos sem que o governo fosse capaz de editar uma medida provisória para proibir as demissões. Não somos contra o Estado socorrer uma empresa para evitar que ela feche e demita os trabalhadores. Mas nessa situação o Estado tem que assumir o controle e a propriedade da empresa para preservar os empregos e para que a riqueza produzida por ela passe a ser da sociedade e não do dono dela. O enorme volume de recursos públicos usados para socorrer os empresários (até hoje se está fazendo isso, com isenções fiscais e crédito barato do BNDES) teve que sair de algum lugar. Está saindo daquilo que deveria ser investido nas políticas públicas que interessam à população. É essa a razão pela qual o governo diz que não tem recursos para aumentar o salário do funcionalismo – diz que vai congelar os salários por dez anos. É esse o motivo do verdadeiro escândalo que foi a negativa do governo de aceitar o fim do fator previdenciário, aprovado no Congresso e vetado por Lula. Também explica porque faltam recursos para investir na moradia popular e na reforma agrária.


Atualmente, a crise atinge principalmente os países da União Europeia. Essa crise terá efeitos em nosso país?

Diferente do que pregam nossas autoridades, a crise não acabou. Pelo contrário, basta ver a situação da Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda, além das dificuldades da recuperação da economia da Europa e dos EUA. Estamos entrando talvez numa nova fase da crise. Começa a ser cobrado o custo dos imensos repasses de recursos públicos realizados pelos governos para salvar banqueiros e grandes empresários. E o Brasil é muito dependente do capital financeiro. É um país dominado pelas transnacionais. Da indústria automotiva ao agronegócio, quem manda é o capital estrangeiro. Em 2008, no auge da crise, 33,8 bilhões de dólares foram remetidos ao exterior pelas transnacionais. Neste ano, até maio, as remessas chegaram a 11 bilhões de dólares, quase 40% superior ao enviado no mesmo período do ano passado. Essa situação poderá produzir uma nova crise de desvalorização das moedas, atingindo em cheio os salários dos trabalhadores. Tudo isso sem falar na sangria de recursos para o pagamento da dívida pública (interna e externa), que só no ano passado consumiu 36% do orçamento federal.


Como você avalia o atual modelo de desenvolvimento adotado no Brasil?

Muitos trabalhadores acreditam que Lula governa para eles. Não acreditamos nisso. A alta popularidade de Lula se apoiou na estabilidade da economia internacional e na criação de políticas sociais compensatórias, como o Bolsa Família, além de pequenos reajustes no salário mínimo. No entanto, o governo do PT manteve os pilares fundamentais do modelo econômico do governo FHC que beneficiou a alta burguesia do país. Um exemplo: só no primeiro mandato de Lula, os empresários tiveram um aumento de 400% dos seus lucros. Já o salário mínimo teve um aumento de 57% nesses oito anos.

O governo do PT quebrou recordes do governo tucano. Nos dois mandatos de FHC, os bancos lucraram R$ 34,3 bilhões. Já nos dois mandatos de Lula, a previsão é de algo em torno de R$ 170 bilhões, ou seja, cinco vezes mais. Não é verdade que Lula governa para os trabalhadores. Como concordar com isso quando se mantém o superávit primário para pagar os juros da dívida pública? Quando o governo aprofunda os benefícios ao agronegócio, elegendo os grandes fazendeiros como “heróis”, enquanto se paralisa a reforma agrária? Achamos que um possível governo de Dilma Rousseff estaria voltado a dar continuidade à alta lucratividade do grande capital. Evidentemente, não queremos que a direita tradicional volte a governar o país. O governo tucano praticamente arrasou o Brasil. Mas tampouco podemos concordar com a mera continuidade do que aí está.


Na América Latina tem se falado muito no “socialismo do século 21”. Como você vê esse novo socialismo?

O capitalismo e todas as suas mazelas continuam existindo na Venezuela de Chávez. O país ainda é dominado pelas grandes empresas privadas e a economia funciona com base no mercado capitalista. Isso explica a razão da alta inflação venezuelana. Nos últimos dois anos e meio, o preço dos alimentos subiu 102%. A crise na economia provoca descontentamento entre os trabalhadores. Muitas vezes isso se traduz em greves e mobilizações. A resposta do governo tem sido a repressão. Em 2009, a polícia tentou acabar com a ocupação em uma fábrica da Mitsubish e assassinou dois trabalhadores. Reprimir e assassinar operários em luta tem algo a ver com socialismo? Socialismo não depende da nacionalização ou não de algumas empresas. Isso já foi realizado por outros governos nacionalistas da burguesia, como o de Getúlio Vargas aqui no Brasil. Uma economia socialista pressupõe a expropriação da burguesia e a sua planificação para que a riqueza do país possa estar voltada a atender os interesses dos trabalhadores. Só assim é possível suprimir a busca do lucro por parte da burguesia, força motriz da produção capitalista, e organizar a economia para satisfazer as necessidades dos trabalhadores.


Como você avalia a esquerda brasileira nesse atual cenário?

A maior parte da esquerda brasileira, organizada dentro do PT, viveu, nos últimos 20 anos, um profundo processo de integração à ordem capitalista. Hoje, o PT governa para os banqueiros e grandes empresários, aplicando o mesmo modelo neoliberal do FHC. Esta é a realidade. A esquerda socialista brasileira, que se preservou deste processo de degeneração política se localiza em partidos que ainda são pequenos no cenário político e em movimentos e organizações da classe trabalhadora que resistiram à cooptação. Tentam assim construir alternativas para a luta de massas no país – eu destacaria aí o papel da CSP-Conlutas – e também avançar na construção de uma direção política revolucionária para estas lutas. É o esforço feito hoje pelo PSTU, mas também pelo PCB e setores do PSOL. É a evolução da situação política do país que definirá o destino destas alternativas que estão sendo construídas.

O Programa Democrático Popular construído pelo PT em 1986 ainda está atual?

O programa democrático popular, que consistia numa generalização dos direitos sociais para todo o povo e consolidação da democracia no país, é diretamente impossível nos marcos de uma sociedade capitalista, mais ainda nesta fase de decadência imperialista. É da natureza desta sociedade concentrar a riqueza, não há como distribuí-la sem acabar com a propriedade privada dos grandes meios de produção. A maior expressão disso é justamente o governo Lula: a socialização dos direitos sociais possíveis sob o capitalismo é aumentar um pouco a abrangência do Bolsa Família, aumentar um pouquinho o valor do benefício, aumentar um pouco o salário mínimo. Não há como realizar as mudanças necessárias para assegurar vida digna aos trabalhadores fora de uma estratégia socialista, de ruptura com a burguesia. A não compreensão deste problema é o que leva, inclusive setores da esquerda socialista brasileira, a vacilar ante a força do PT e do governo Lula.

Na sua opinião, quais são os elementos fundamentais hoje para um processo revolucionário conducente à superação do capitalismo? Isso é possível no atual cenário?

Vivemos em uma conjuntura desfavorável. A burguesia, com a situação da economia e também contando com uma inestimável colaboração de Lula (do PT, da CUT, da UNE), mantém um grande controle sobre a situação política do país e estabilidade do seu projeto de dominação. Mas isso não implica em desconhecer a etapa da luta de classes que vivemos, e as tarefas que estão colocadas para os trabalhadores: a transformação socialista do nosso país. A luta revolucionária não tem lugar apenas nos momentos de grande efervescência das massas, de grande mobilização social. Ela tem seu desfecho nestes momentos. Mas para que estes desfechos possam ser favoráveis aos trabalhadores – não nos iludamos, nosso inimigo é muito poderoso, muito mais forte que nós –, os enfrentamentos que se darão aí precisam ser preparados minuciosamente pelos revolucionários. Este é o desafio da esquerda socialista brasileira para o momento em que vivemos. Dar conta deste desafio implica não só acumular forças no sentido de construir e fortalecer nossas organizações. Implica também em fazer conclusões políticas da experiência da esquerda brasileira nos últimos 30 anos. Só assim conseguiremos ajudar a nossa classe a transformar suas lutas de resistência contra a exploração do capital em uma revolução, que possa abrir o caminho para uma transição ao socialismo em nosso país.





José Maria de Almeida, conhecido como Zé Maria, nasceu em Santa Albertina, interior de São Paulo, em 2 de outubro de 1957. É metalúrgico e foi uma das lideranças das greves no ABC paulista, em 1978. Em 1980, foi preso com Lula e mais 10 sindicalistas, e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, ficando mais de um mês preso. Participou da fundação do PT e da CUT. Atualmente, é dirigente do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e candidato à Presidência da República.

FONTE: BRASIL DE FATO

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