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sábado, dezembro 03, 2011

Discurso do Senador Cristovam Buarque no Plenário do Senado Federal

















Cristovam: falta de investimento em educação básica prejudica universidades e IDH

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT – DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.)

Sr. Mozarildo, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, esta semana nós temos visto algumas notícias que, apesar de parecerem desconectadas, se ligam; a ocupação da Rocinha, por exemplo; a melhoria da nota do Brasil quanto à nossa economia, no cenário internacional, e, ao mesmo tempo, a reprovação de faculdades brasileiras pelas notas que tiveram na avaliação. E eu tenho o orgulho de ter sido quem iniciou, durante o meu tempo de Ministro, fazendo evoluir o provão, criado no tempo do Ministro Paulo Renato, ao que eu chamei, naquela época, do Índice de Desenvolvimento do Ensino Superior – Ides, que mudou o nome, mas que manteve a característica de que não basta analisar os alunos numa prova, é preciso analisar os professores, é preciso analisar a infraestrutura da universidade. As notas do Ides – Índice de Desenvolvimento do Ensino Superior –, que agora tem outro nome, são completamente insatisfatórias do ponto de vista de darmos confiança ao ensino superior brasileiro.

Outra notícia que parece desconectada é o baixo nível de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que o Brasil obteve no último relatório das Nações Unidas.


Onde essas coisas se ligam? Por exemplo, quando a gente assiste – e se orgulha até disto – à Polícia Militar do Rio de Janeiro hasteando a Bandeira do Brasil na Rocinha, a sensação que nos passa, Senador Mozarildo é de que o País, que é a 7ª potência econômica do mundo, invadiu o País, que é o 84º lugar no IDH. Essa é a sensação. E não é uma sensação abstrata; é uma sensação que tem uma base na história. Na verdade, são dois países diferentes do ponto de vista do bem-estar e do ponto de vista da renda. A verdade é que a Rocinha foi abandonada durante anos, do ponto de vista de investimentos sociais, e isso gerou uma parte – não tudo – que levou à violência. As pessoas esquecem que nós estamos seguindo o sentido contrário: nós estamos invadindo uma favela para transformá-la em bairro. Se nós tivéssemos tratado a Rocinha como bairro, nos últimos anos, nas últimas décadas, hoje não seria preciso ocupar uma favela.


Veja como se relaciona a nota positiva que o Brasil recebeu ontem e que temos que comemorar, como uma economia estável, com o lado negativo do IDH lá embaixo. Na verdade, nós conseguimos fazer a economia crescer rapidamente, porque, em vez de colocarmos os investimentos sociais necessários, nós colocamos os investimentos dirigidos a viabilizar a dinâmica econômica. Esquecemos a dinâmica social, Senador Mozarildo, e criamos dois países.


O País, que tem notas tão negativas que levam faculdades a serem fechadas – e deveriam ser fechadas –, ao mesmo tempo tem um indicador, nesta mesma semana, dos resultados educacionais, mostrando que uma parte substancial de nossas crianças de dez anos ainda não aprendeu a ler. E eu estou falando das crianças na escola. Eu não estou falando daqueles 4,5 milhões que estão trabalhando no lugar de estudar.


Agora, o que é que se liga e as pessoas não percebem a ligação? É o fato de que a baixa nota nas faculdades deriva do baixo desempenho na educação de base.

Eu não entendo como é tão difícil colocar na cabeça das pessoas que não haverá universidades (no plural), boas enquanto a educação de base for ruim. Podemos, sim, ter uma ou outra boa universidade, e temos, porque numa população de 50 milhões de crianças você consegue selecionar algumas que são muito boas, sobretudo aquelas que passaram por boas escolas e que vão para as universidades boas.


É preciso que este País desperte para o fato de que o que faz uma universidade boa é menos o doutorado do professor do que o bom aproveitamento da criança no ensino médio. Claro que uma universidade precisa de doutores, de professores bons. Mas o que faz, inclusive, o bom professor, o que faz o doutor é ele ter feito uma boa educação de base.


Além disso, uma faculdade com todos os seus alunos altamente preparados na educação de base, repito, uma faculdade com todos os seus alunos altamente preparados na educação de base não consegue ser ruim, porque se os professores forem ruins os alunos os expulsam, e se os alunos não conseguirem expulsá-los eles migram para outra universidade.


A base, gente, a base está na base. Por que a gente não percebe que a base está na base?


Essa preocupação total com as universidades e faculdades, que devemos ter, sim, mas desvinculada da realidade, como se elas fossem entidades isoladas, separadas, flutuando. Não flutuam faculdades. Universidades estão assentadas numa base e essa base é a educação de base e essa educação de base não permite fazer com que todas as nossas faculdades tenham boas notas. Mas é difícil convencer do óbvio. É fácil convencer de coisas, às vezes, que não são óbvias. O óbvio há uma resistência das pessoas a entenderem.


Nós invadimos uma favela, porque a tratamos como país diferente. E aí chegamos ao ponto do gesto de hastear a bandeira do Brasil. Não foi a bandeira da Zona Sul do Rio que foi hasteada na Rocinha. Foi a bandeira do Brasil, como se não fosse Brasil ali. Nós deixamos de fazer o dever de casa antes e fomos obrigados... E temos que elogiar a Polícia Militar, o Governador do Rio de Janeiro, o Vice-Governador, que teve um papel, e o Secretário de Segurança. Nós, e aí eu já ponho todos, mas eles que conseguiram, temos que comemorar a ocupação da Rocinha, a eliminação, redução ou suspensão, por algum tempo, pelo menos até a Copa, da criminalidade.


Mas não podemos deixar de entender o que está por trás da necessidade de invadir o que seria um bairro e tem sido uma favela.


A mesma coisa nas notas das faculdades. Temos que comemorar que este País, pelo menos, faz avaliação de faculdades, que começou no Ministério do Paulo Renato, que avançou, sim, no período do meu Ministério, com a sanção pelo Presidente da República até de uma medida provisória – porque tínhamos pressa – de um novo sistema de avaliação, que depois foi transformada e, sobretudo, mudou de nome, como se costuma fazer ultimamente, transformando bolsa escola em Bolsa Família, por exemplo.

Essa avaliação é uma conquista da educação, mas, por favor, termômetro não cura! Termômetro indica uma doença e a doença é mais profunda do que o que acontece dentro das faculdades.


Hoje de manhã, ouvi na televisão um professor dizer que faltam mais doutores. Não faltam mais doutores apenas. Isso é secundário. Faltam meninos e meninas preparados entrando nas universidades. É isso que falta, até para que esses meninos e meninas se transformem, depois, em professores que darão aulas nas faculdades.


Nós estamos trabalhando no superficial e nas coisas separadas, ao invés de irmos para as coisas profundas e fazermos a interligação dos problemas.
Tomemos o caso do IDH.


O IDH foi uma conquista imensa do pensamento socioeconômico no mundo, o primeiro passo no sentido de dizer que o Produto Interno Bruto não é suficiente para dizer se um país está bem ou mal. É preciso saber como está a saúde; é preciso saber como está a educação; é preciso saber como está a mortalidade infantil, e criar um índice que indique essas três coisas, que é o Índice de Desenvolvimento Humano nas Nações Unidas.


Pois bem, somos a sétima economia do mundo, mas somos 84º País no Índice de Desenvolvimento Humano. Nós somos reprovados no que se refere ao Índice de Desenvolvimento Humano. Depois de oito anos de Fernando Henrique Cardoso, um social-democrata, depois de 8 anos de Lula, um social-democrata, bem intencionados, nós não demos saltos no IDH.


Claro, saímos de 86º, talvez, para o 84º, mas continuamos reprovados. E isso nos assusta, porque sabemos a causa, e ninguém quer enfrentá-la. A causa é a educação. Está lá, basta analisar que se vê como o IDH, que é baseado naqueles três temas, é influenciado, no caso da reprovação brasileira, pela educação.


A renda entra – a renda a gente não está tão mal –, mas, quando a gente chega na educação, é a tragédia. Senador Mozarildo, junto com pessoas que trabalham comigo, fizemos as contas de qual seria o IDH do Brasil se a gente ficasse só na análise da educação: em vez 84º, nós seriamos 115º país do mundo.


O que melhorou um pouquinho – e isso temos que comemorar – é a redução da mortalidade infantil, é o aumento da esperança de vida e o aumento da renda. Agora, o que realmente nos leva para baixo é o fato de que nós estamos lá embaixo do ponto de vista da educação, e isso faz com que o Brasil, por exemplo, tenha a mesma média de anos escolares, que é o que é tomado em conta pelo IDH, que Gana. Não vou dizer isso aqui menosprezando esse belo país da África, quero dizer é que Gana tem uma renda
per capita de US$2.500 por ano – vou repetir: US$2.500 por ano –, o Brasil tem uma renda per capita de US$10 mil, e nós temos o mesmo número de anos de escolaridade de uma pessoa com mais de 25 anos.


Temos que descobrir o que está errado neste País. Se nós tivéssemos o número de anos maior de crianças e jovens na escola, com escolaridade além desses anos que nós temos, poucos anos na escola, nós não estaríamos tão ruins no IDH, mas nós insistimos em dizer que o problema está no topo das universidades, e não na base da educação. E pior ainda, Senador Mozarildo: uma preocupação que a gente precisa ter: o Brasil, o Governo brasileiro, ficou descontente com a nossa posição no IDH e está falando em criar o IDH brasileiro. Isso é um contrassenso que a gente faça e compare o nosso IDH com o IDH feito pelas Nações Unidas. Se nós quisermos ter o nosso, eu não acho ruim, mas não tomemos o nosso como padrão para comparar com que os outros fazem. Acho até que seria uma boa contribuição do Governo brasileiro levar para as Nações Unidas a sugestão de nova forma de construir o IDH e dizer: “Essa nova forma nós consideramos tão boa que sugerimos que leve para o mundo inteiro”.


Eu poderia fazer isso, poderia ser o portador até. Sou do painel das Nações Unidas que cuida do IDH. Agora, vamos sugerir que todos os países sejam medidos pelo mesmo padrão e não dizermos que esse padrão não nos serve e, por isso, nós o deixaremos de lado. Se o IDH brasileiro, feito pelo Brasil, for melhor do que o IDH brasileiro feito pelas Nações Unidas, quem vai dar importância ao IDH brasileiro? Todos vão dizer que foi uma manipulação. Isso, além de nos deixar com um mal IDH nos deixa desmoralizados.


Uma sugestão de mudança? Tudo bem. Até mesmo a estimação de um, mas mantendo-se a comparação por aquele criado, estabelecido e aplicado em todos os países. Tudo bem, vamos comparar, mas não dizer que estamos fora e que, a partir de agora, o IDH é desprezado, repudiado. Vale para o mundo inteiro, para todos os países, para o Brasil não?


Temos de começar a interligar as coisas, a analisar a profundidade dos nossos problemas e não querer buscar soluções artificiais, soluções que não trazem um aumento do conhecimento. Ao contrário, obscurecem a realidade diante dos olhos da gente. Não se resolve uma realidade feia colocando-se fumaça entre a realidade e os olhos de quem a observa. Não se melhora a realidade. A realidade melhora quando a gente tira a fumaça que está aí, aprofunda o conhecimento e atua para mudar as coisas. Isso vale para quase todos os problemas que o Brasil enfrenta, isso vale para a violência na Rocinha.


A Rocinha foi pacificada. Por quanto tempo, se não fizermos os investimentos que o Governo do Rio está prometendo e que espero que faça? Durar até a Copa do Mundo ou um pouquinho mais, até as Olimpíadas e depois abandonar a Rocinha e tirar a polícia de lá? Tem gente que acredita que é isso o que vai acontecer. Os investimentos necessários para fazer a revolução social são altos e vão ter de sair de algum lugar. Na hora das pressões não são os moradores de lá que vão conseguir pressionar.


Temos de enfrentar os problemas na base e precisamos ver a realidade nas inter-relações que acontecem. A inter-relação de que somos um País com boa nota na economia, no cenário mundial, e com universidades sendo reprovadas, o que nos deixa como sétima potência econômica e um 84º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano.


Temos que correlacionar a situação social que vive a Rocinha, comparada com a Zona Sul do Rio, e a necessidade de usar ocupação militar e de hastear a bandeira como se fosse um país estrangeiro.


Nós temos que despertar para o fato de que é uma vergonha o fato de que se torna herói – e é herói, eu não estou dizendo que se torna falso também não, é herói – o PM que não recebe propina. O fato de um PM não receber propina permite lhe dar uma medalha. Mas essa medalha que pomos no coração dele é uma vergonha no coração do Brasil, porque é uma vergonha para um país considerar herói o cidadão honesto desse país.


Está na hora de enfrentarmos os problemas como eles são, está na hora de enfrentarmos os problemas com as inter-relações que têm, está na hora de entendermos que o IDH, mesmo que possa ser melhorado – e esse painel das Nações Unidas procura melhorar – não pode ser repudiado como forma de esconder a tragédia social brasileira. Não pode. Não deve. E nós não podemos deixar que isso aconteça.


Sr. Presidente, eu quero terminar dentro do meu tempo, dizendo que este Senado é o lugar da revisão das leis. Mas tem que ser também o lugar do aprimoramento da visão que se tem do Brasil; do aprimoramento de como enfrentar os problemas sem enganar, de como enfrentar os problemas sem ficar apenas no pedacinho que interessa a uma parcela, enfrentando tudo.


Porque a verdade é que nós estamos tão preocupados com a nota das universidades, que esquecemos as notas da educação de base. Primeiro erro. E, segundo, que nós não percebemos que as notas más das universidades e faculdades decorrem das notas ruins da educação de base. Tendemos a ignorar essas correlações, por comodismo do Governo, para não gastar mais dinheiro, porque é mais fácil investir em universidade, que atende a 4, a 5 milhões de adultos do que investir na educação de base, que atende a 55 milhões.


E aí nós ficamos no superficial e no topo. Aquilo de que o Brasil precisa é sair da análise do topo e começar a analisar a base, sair do superficial para analisar na profundidade necessária os problemas. E, finalmente, Senador, e é isso que eu tento fazer aqui, na medida do possível dos meus limites, tirar a fumaça que nós colocamos entre nossos olhos e a realidade, uma fumaça que obscurece o conhecimento da realidade e nos impede de encontrar soluções, caminhos para mudar essa realidade.


Era isso, Senador Mozarildo, que eu gostaria de falar.

FONTE: AGÊNCIA SENADO

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