Valoriza herói, todo sangue derramado afrotupy!

sexta-feira, maio 25, 2012

Dia 25 de Maio - Dia da África: A história de Zerai Deres; Heroísmo Africano & Memória de África


Não há rigorosamente nenhum registro sobre Zerai Deres, herói popular etíope e eritreu, em língua portuguesa.

Sua trajetória - que se confunde com a da Etiópia contemporânea - não é, pois de conhecimento da opinião pública brasileira.

Todavia convém registrar: a Etiópia é uma nação africana milenar, que não coaduna com a imagem negativa alimentada pela mídia e por notas preconceituosas que desqualificam sua participação na história humana.

Cumpre sublinhar que o país é um dos berços da civilização. No maciço da Etiópia - vasto planalto que forma autêntica fortaleza natural - surgiram reinos prósperos e afamados, relatados por egípcios, gregos, persas e romanos.

Por mais de 3.000 anos, tal espaço abrigou o Reino Damot, de Aksum e da Abissínia Cristã. No Século XIX, forma-se nessa mesma região o Império da Etiópia.

A relevância da Etiópia justifica, aliás, inúmeras citações na Bíblia. Em Gênesis, o país é tido como uma das terras que compõem o Jardim do Éden. Mais adiante, o Livro de Reis discorre sobre a Rainha de Sabá, famosa soberana etíope que visitou o Rei Salomão.

Desde a mais remota antiguidade as terras altas da Etiópia - recanto exuberante banhado por nascentes do Nilo - presenciaram ostensiva colonização humana.

No parecer do eminente pesquisador Nikolai Vavilov, a área é um dos sete centros mundiais de origem de plantas cultivadas, selecionadas a partir de ancestrais silvestres, difusos nessa parte da África.

Daí que hoje nos alimentamos com plantas etíopes. Dentre outras dádivas, a Abissínia presenteou o mundo com o quiabo, café, agrião, gergelim, mamona, teff, feijão-fradinho, sorgo, milhete, cevada, fava, tremoço e muitas variedades de trigo.

Para completar, a Etiópia foi o ambiente de vida do mais antigo hominídeo de que se tem notícia. Com mais de três milhões de anos, o esqueleto de Lucy, considerada ancestral de toda a Humanidade, foi encontrado em 1974 ao Norte do Rio Awash, que drena as cercanias de Adis-Abeba, metrópole que sedia o governo etíope.

Contudo, para além das maravilhas naturais e da majestade desse notável rincão africano, uma nota indispensável estaria endereçada ao espírito combatente e senso patriótico que caracteristicamente impregnou todos os segmentos da sociedade etíope.

Sabe-se que durante séculos a Abissínia foi cobiçada por potências estrangeiras. Contudo, aos invasores foram reservadas as mais duras provas. Profundos conhecedores do terreno e dispostos a qualquer sacrifício para expulsar eventuais agressores, os etíopes, mesmo momentaneamente derrotados, nunca foram efetivamente subjugados.

Grosso modo, tais considerações se repetem nos embates com o imperialismo europeu.

O Reino da Itália atirou-se a partir da unificação em 1870, na conquista colonial. No final do Século XIX, através de acertos com as potências européias, decidiu-se que a Etiópia integraria a esfera de influência italiana.

Certo é que os etíopes não haviam sido consultados se desejavam a tutela estrangeira. Tampouco se estavam convencidos em abrir mão da sua independência. E como ficou demonstrado, seu estado de espírito não tinha nenhuma propensão para isso.

Fazendo frente a poderoso esquema bélico italiano, o imperador Menelik II, apoiado por sua esposa, a imperatriz Taitu, convocou numeroso exército. Em 1896 Menelik defronta-se com as hostes italianas em Adowa, às portas do planalto etíope.

Surpreendendo o mundo, após duro combate Menelik impõe memorável derrota aos agressores. A vitória garantiu a independência do país. Foi o único na África que permaneceu livre da dominação colonialista.

Entretanto, a derrota frente ao que aos olhos europeus eram apenas bárbaros, alimentou incontidos desejos de revanche. Em 1935, o ditador Benito Mussolini - o Duce - declarou guerra à Etiópia.

Procurando vingar o vexatório fracasso de Adowa, a Itália organizou um exército muito superior em soldados e em poder de fogo: 200 mil homens, 700 canhões e 150 tanques apoiados por dezenas de aviões de combate e bombardeios. Por via das dúvidas, armas químicas foram usadas sem maiores rodeios.

A Etiópia, nação sem litoral, isolada, desarmada e sem aviação, não tinha condição de obter auxílio externo. Este por sinal sequer foi oferecido. Apenas voluntários e a diáspora negra ajudaram o país.

Os etíopes se postaram na defesa da pátria. Utilizando todas as opções à mão, obrigaram os invasores a disputar durante meses a conquista de todo palmo de terreno. Mas no final, a superioridade bélica e o uso criminoso de gás mostarda abriram caminho para a ocupação italiana.
Senhores do país e visando humilhar seu povo, os ocupantes encetaram o saque dos tesouros nacionais etíopes, levados sem demora para a Itália.

Um desses, era a escultura dourada do Leão de Judá, emblema da monarquia etíope. 
Sumariamente retirada de Adis-Abeba, meses após estava reinstalada como troféu de guerra no centro de Roma. Um claro sinal da pretensão italiana em tornar-se senhora perpétua da Etiópia.

Não obstante, forjados na resistência a muitas invasões, a luta dos etíopes não cessou. Montando operações de guerrilha e ampla rede de sabotagem, a chama da resistência foi mantida acesa. Durante todo o período de ocupação - entre 1936 e 1941 - o povo etíope lutou sem tréguas contra a usurpação da independência nacional.

Num contexto marcado pelo empenho em colocar ponto final na dominação estrangeira, Zerai Deres foi exemplo a toda prova dessa determinação. Sua vida, que poderia inspirar refinada produção cinematográfica, é celebrada nas atuais Etiópia e Eritréia como marco na luta de libertação do colonialismo italiano.

Nascido no vilarejo de Hazega - hoje parte da República da Eritréia - Zerai foi convocado pela administração colonial italiana para participar dos festejos que em Roma, entronizavam o novo império de Mussolini. A comemoração, ocorrida em 1938, teve como uma das suas estrelas o ditador alemão Adolf Hitler. Convidado para visitar Roma, o líder nazista prestigiaria a parada da vitória lado a lado com Benito Mussolini e o Rei Vitório Emanuel.

A festividade pautava farto temário relativo às novas colônias africanas, incluindo Zerai Deres. O jovem foi instruído para marchar com outros membros do desfile carregando uma espada cerimonial com a qual deveria saudar o rei, o Fuhrer alemão e o Duce diante da tribuna de honra. Isto é: confirmar a capitulação da Etiópia.

Porém, nada saiu conforme programado.

Tão logo a escultura do Leão de Judá entrou no seu campo visual, um súbito sentimento de fúria tomou conta de Zerai. Uma reação nada surpreendente. Afinal, a imagem simbolizava a soberania à qual seus ancestrais haviam jurado lealdade. Ver o Leão Coroado no coração de Roma foi intolerável. Zerai se deu conta de que não poderia prestar qualquer homenagem aos agressores da Etiópia.

Então prontamente levantou a espada que deveria certificar a submissão. Com ela, diante dos convidados, matou e feriu todos os italianos postados a sua volta. Detido a duras penas, seu ato ofuscou as comemorações de Mussolini. Demonstrou também que a dominação européia não era fato consumado. Zerai foi morto na Itália, muito longe da África.

Mas seu ato não foi esquecido.

Após a II Guerra, com a Etiópia novamente independente, o imperador Hailé Selassié insistiu na devolução do monumento. Esse apenas retornou ao país de origem em 1966, após exaustivas negociações. Reinstalado no sítio original, em discurso público Selassié saudou o feito de Zerai Deres.

A despeito de ser um símbolo monárquico, o monumento não foi desmontado pelo regime militar que em 1974, implantou a república. A memória de Zerai falou mais alto do que qualquer outro tipo de vínculo que a imagem poderia suscitar.

Hoje, Adis-Abeba é não só a capital de uma dinâmica nação soberana como também, sede da União Africana. A independência, que no início do século XX era exceção num continente gravado pelo colonialismo, atualmente é condição vivida por dezenas de países.

Celebra-se em 25 de Maio o Dia da África.

É uma data que recorda a luta dos povos africanos por sua dignidade e independência. E como todo processo representativo de tomada de consciência, certamente ela não aconteceu no vazio.
De fato, para sua irrupção concorreram as representações coletivas. Essas, refletindo anseios profundos, tornaram impossível a supressão da identidade dos seus povos e culturas.

Foi essa a força - que em linhas gerais associamos ao conceito de Africanidade - que fez Zerai Deres emergir do anonimato e desafiar os opressores do seu povo.

Uma clara demonstração da importância de que se reveste em África a memória ancestral, matriz da resistência e da intenção em construir sua própria história.

Zerais Deres morreu ao defender o Leão Coroado. Mas justamente dessa forma é que Zerai continua vivo.

Memória de África, Memória de Zerais Deres!

FONTE: EDITORA CORTEZ / Artigo do Professor Maurício Waldman

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